Pesquisadores do Instituto do Coração vão começar a testar em macacos umavacina contra o HIV totalmente desenvolvida no Brasil. Para comentar o assunto, conversamos com os médicos Celso Granato e Carolina Lázari, assessores em Infectologia do Fleury.
Por que até hoje, mais de 30 anos após a descoberta do HIV, ainda não conseguimos obter uma vacina contra ele?
Todo vírus precisa entrar em uma célula para sobreviver. Para que isso aconteça, este vírus precisa ter uma “chave” específica para a célula que deseja entrar. As vacinas, grosso modo, atuam de duas maneiras: por um lado, impedem que ovírus “invada” a célula por meio da produção de anticorpos. Por outro, quando não é possível impedir a invasão, estimula a etapa celular da resposta imunológica a destruir o vírus, por meio da proliferação de células de defesa do tipo T CD4 e T CD8. Frente a esses processos, o grande obstáculo que o HIV oferece ao desenvolvimento de uma vacina é a sua alta capacidade de sofrer mutações, durante sua multiplicação. A sua estrutura se modifica, impedindo o controle que os anticorpos e as células de defesa tentam fazer sobre sua replicação e disseminação. Assim, todas as tentativas de vacina contra o vírus criadas até hoje se mostraram ineficientes em um curto espaço de tempo. A mutação não é exclusiva do HIV, mas essa é uma característica muito marcante desse vírus. Por esta razão, ainda não tivemos até hoje uma vacina totalmente eficaz.
Quais são as expectativas e novidades desse novo estudo?
Muitas tentativas, estudos e pesquisas já foram feitos para se encontrar a fórmula da vacina contra o HIV, com investimentos de bilhões e bilhões
de dólares. Alguns dos testes realizados, inclusive, já alcançaram fases avançadas, que implicam realizar testes em humanos, mas, mesmo atingindo esse estágio, não foram eficazes. Esse novo estudo, desenvolvido por pesquisadores da USP, está entrando na fase de testes em macacos,
o que é um ponto positivo, já que significa que os experimentos in vitro e em camundongos tiveram resultados favoráveis. Contudo, o grande diferencial é que os pesquisadores conseguiram selecionar 18 proteínas presentes no HIV, que seriam reconhecidas pelo sistema imunológico da maioria das pessoas.
A dimensão e as características da resposta imune obtida ainda não haviam sido demonstradas em estudos anteriores. Se o resultado esperado for alcançado em primatas, ainda será preciso testar o funcionamento da vacina em humanos, e se a mesma induz imunidade duradoura no organismo. Mesmo com esta evolução, o resultado final do estudo levará, no mínimo, cinco anos para, se possível, ser entregue à população.
Como funcionaria esta nova vacina? Ela irá proteger 100% a população contra o contágio da doença?
Existem duas possibilidades de vacinação contra a aids. Uma é a preventiva, que estimularia a produção de anticorpos capazes de prevenir o contágio; a outra atuaria como uma estratégia de tratamento para quem já foi infectado. Esta nova vacina, embora destinada a não portadores do HIV, só teria atuação caso a pessoa o contraísse. Mesmo aplicada antes da exposição ao vírus, a vacina não poderá evitar que a pessoa se infecte, mas, ao induzir previamente que se desenvolva resposta imune específica, o sistema imunológico já estará preparado para combater o vírus tão logo ele entre no organismo. Dessa forma, o indivíduo será infectado, mas, desde o início, sua carga viral será mais baixa, diminuindo o potencial e a velocidade de progressão da doença e podendo reduzir drasticamente as chances de transmissão do mesmo a outras pessoas. Vale ressaltar que, embora tenham sido obtidos resultados animadores nas primeiras etapas do estudo, tudo isso é hipotético até que seja comprovado também em humanos. E, pela natureza da atividade da vacina, sua disponibilização não excluirá a necessidade do uso de métodos de barreira para a prevenção, como os preservativos. Mesmo porque, além do HIV, existem inúmeras outras doenças sexualmente transmissíveisque também precisam ser evitadas.
Caso o estudo avance com sucesso, a utilização da vacina poderá fazer com que uma pessoa soropositiva não transmita a doença?
Logo após o contágio, nos primeiros seis meses, há o pico de carga viral. Durante esse período, a transmissão do vírus ocorre de forma intensa. Entretanto, se a pessoa tiver sido vacinada, a atuação do sistema imune ocorrerá de modo mais eficiente logo no início da infecção, podendo reduzir a carga viral e diminuir as chances de transmissão. Atualmente, já existem estratégias de prevenção após possíveis exposições, por meio do uso de medicamentos, porém, estes podem ser agressivos ao organismo e apresentar diversos efeitos colaterais. Com a vacina, essa atuação poderá ser mais precoce e muito segura.
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Fonte: www.flery.com.br